Dom Casmurro é um livro escrito por Machado de Assis no final do Segundo Reinado, é um dos romances mais importantes e debatidos da literatura brasileira.
A obra se destaca por sua narrativa ambígua, pela análise psicológica profunda do protagonista e pela crítica sutil à elite patriarcal e conservadora do século XIX.
Neste artigo, você vai conhecer o contexto histórico, os personagens principais, as características da estrutura narrativa, um resumo, além do legado e das adaptações que mantêm essa história viva.
Prepare-se para descobrir a genialidade de Machado de Assis e compreender porque Dom Casmurro desperta tantas discussões e interpretações. Continue lendo e compartilhe este conteúdo com outros amantes da literatura brasileira!
Índice
Contexto histórico e literário de Dom Casmurro

Dom Casmurro foi escrito no final do Segundo Reinado, em um Brasil caracterizado pelo patriarcalismo, pela escravidão e por valores conservadores. A obra expõe um período em que a sociedade brasileira vivia tensões entre o passado e um projeto de modernização incompleto.
Os ideais europeus, como os valores católicos e liberais, eram adaptados ao contexto local, muitas vezes de forma distorcida, o que gerava uma modernização de fachada.
Machado de Assis insere esta dinâmica à figura de Bentinho, um narrador que revela as contradições de uma sociedade em transição.
Por meio de suas memórias, o livro nos revela um mundo marcado por ambiguidade moral e por um profundo desencontro entre a aparência e a realidade.
Ao contrário dos romances realistas europeus, Dom Casmurro não busca descrever uma realidade detalhada. Machado prefere organizar o real a partir de uma visão crítica e fragmentada, entregando ao leitor uma interpretação subjetiva, com lacunas, omissões e imprecisões.
O romance rompe com a ideia de que o livro deve funcionar como um espelho fiel do mundo real.
Entrada da obra no Realismo brasileiro
O livro faz parte do Realismo brasileiro, mas de forma original e inovadora. Machado de Assis rompe com o modelo tradicional quando cria um narrador pouco confiável, que apresenta os fatos com a visão do personagem, com lembranças incompletas e distorcidas.
Essa característica afasta a obra do naturalismo descritivo que dominava o período, em que autores buscavam retratar a realidade com exatidão quase que científica.
Em vez de se prender ao detalhamento da realidade, Machado cria um realismo interpretativo, onde o que importa não são os fatos em si, mas a forma como eles são narrados e entendidos.
O livro combina o subjetivo e o social, o local e o universal, construindo um retrato do Brasil que vai além do simples espelhamento da realidade.
Brasil do Segundo Império, elite carioca e crítica social
O romance se passa no Brasil do Segundo Império, período marcado pelo domínio de uma elite ligada ao latifúndio, ao escravismo e ao conservadorismo.
Bento Santiago, também conhecido como Bentinho é o protagonista, é filho único de uma mãe viúva e superprotetora, criado em um lar que valoriza as aparências e a moralidade tradicional.
A ausência do pai e a educação doméstica marcam profundamente o caráter de Bentinho, refletindo os valores e contradições da elite do período.
A crítica social no livro não aparece através de descrições detalhadas do ambiente político ou das instituições. Pelo contrário, Machado de Assis constrói a sua crítica pelo o que não é dito, das lacunas e dos silêncios na narrativa.
A história se concentra na vida de Bentinho, mas deixa sinais das tensões e hipocrisias da sociedade brasileira do século XIX.
Bentinho representa a elite que tenta moldar a realidade de acordo com seus próprios interesses. Ele prefere reconstruir o passado, como simboliza ao reproduzir a casa de sua infância no Engenho Novo, em vez de enfrentar as mudanças do presente.
O narrador revela, por meio das suas memórias, o modo como a elite tentava manter o poder diante de um mundo em transformação.
Resumo de Dom Casmurro

O romance começa com as memórias de Bentinho, criado como filho único por dona Glória, uma mãe viúva e superprotetora.
Desde pequeno, Bentinho vive sob a promessa feita por sua mãe: ele deveria se tornar padre, como forma de cumprir um voto religioso.
Sua infância, no entanto, é marcada pelo carinho e pela amizade com Capitu, sua vizinha e a primeira paixão de Bentinho. Os dois vivem momentos românticos e fazem o famoso juramento do poço, prometendo se casar “haja o que houver”.
No seminário, Bentinho demonstra desinteresse pela vida religiosa e apenas sonha em se livrar da obrigação para poder ficar com Capitu. Sua passagem por lá não traz amadurecimento, apenas alimenta seu desejo de seguir o coração.
Ao retornar, Bentinho consegue vencer a vontade da mãe e se casa com Capitu. O início do casamento é feliz: o casal faz planos e tem um filho, Ezequiel. No entanto, com o passar do tempo, Bentinho começa a ser consumido pelo ciúme.
Ele passa a desconfiar da fidelidade de Capitu, especialmente por causa da amizade dela com Escobar, e pelas semelhanças físicas que começa a enxergar entre o filho e o amigo.
As suspeitas se tornam uma obsessão. A relação se desgasta até o ponto de ruptura. Dominado pelo ciúme e pela convicção de ter sido traído, Bentinho se afasta de Capitu.
Ele termina seus dias isolado e amargurado, no Engenho Novo, tornando-se a figura do Dom Casmurro, consumido pela solidão e pela dúvida que nunca conseguiu esclarecer.
O estilo fragmentado e psicológico da narrativa
A narrativa de Dom Casmurro tem como característica um estilo fragmentado e psicológico, o que torna o livro único. São 148 capítulos curtos, como pedaços soltos das memórias de Bentinho.
O romance mistura passado e presente, com o velho Dom Casmurro no Engenho Novo lembrando e reorganizando os episódios de sua vida de acordo com suas angústias e ressentimentos.
O texto traz reflexões, interrupções e até conversas com o leitor. Essa forma de contar a história reforça a ideia de que tudo o que é narrado passa pelo filtro das emoções e da visão de Bentinho.
Ele não nos apresenta os fatos, mas reconstrói o passado de um jeito para confirmar suas desconfianças e esconder tudo aquilo que poderia colocar sua versão em dúvida.
O principal efeito desse estilo é colocar o leitor em suspeita. Além de se perguntar se Capitu foi fiel, o leitor se vê diante do dilema: dá pra confiar no que Bentinho conta?
A narrativa nos leva a enxergar como o próprio narrador é prisioneiro de suas frustrações e como isso o torna incapaz de encarar a verdade como ela é.
Personagens principais de Dom Casmurro

Os personagens de Dom Casmurro são construídos de forma que alimenta o clima de incerteza e o tom psicológico da narrativa.
Cada um deles contribui para que o leitor mergulhe em um universo de dúvida, obsessão e ambiguidade criado por Machado de Assis.
Bentinho (Dom Casmurro): narrador inseguro e ciumento
Bentinho, também chamado Dom Casmurro, é o narrador da história. Desde o início do livro ele mostra ser um homem inseguro, ciumento e melancólico.
A sua maneira de contar os fatos é marcada por essas características: ele escolhe o que contar, como contar e o que não contar, julgando de acordo com suas desconfianças e sentimentos.
Isso faz com que o leitor fique em constantemente em dúvida, sem conseguir ter certeza sobre o que de fato aconteceu, se perguntando: a Capitu traiu Bentinho ou isso tudo é paranóia dele?
Depois do casamento com Capitu, Bentinho passa a selecionar ainda mais os acontecimentos.
Ele vê a esposa sempre com suspeita, sem apresentar provas claras. O ciúme o domina a tal ponto que ele acaba distorcendo a própria memória para sustentar a ideia de que foi traído.
A sua melancolia fica evidente no final da vida, quando vive isolado no Engenho Novo, tentando encontrar sentido para uma vida solitária e cheia de dúvidas.
Ao longo do livro, Bentinho alterna momentos em que sente pena de si mesmo com tentativas de se convencer de que agiu certo.
O romance acaba sendo mais uma confissão cheia de ressentimentos do que um relato fiel dos fatos.
Capitu: personagem icônica da dúvida
Capitu, sem dúvidas, é uma das personagens mais icônicas da literatura brasileira. Desde jovem, ela mostra ser inteligente, astuta e capaz de pensar estrategicamente.
É uma figura que se destaca por ter um domínio psicológico maior do que o de Bentinho, o que alimenta a desconfiança do narrador.
O grande símbolo do mistério de Capitu são seus “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Seus olhos representam ao mesmo tempo a sedução e a dissimulação da personagem e é algo que Bentinho nunca consegue decifrar. Esse olhar alimenta a dúvida que acompanha o leitor durante toda a história.
À medida que o romance avança, Capitu vai desaparecendo do foco direto do enredo. O que o leitor conhece dela passa a ser limitado totalmente pela visão ciumenta e desconfiada de Bentinho.
E isso reforça o clima de incerteza que permeia a obra: o leitor nunca consegue entender os sentimentos e intenções da personagem, que se transforma no símbolo da dúvida.
Escobar, Ezequiel, D. Glória, José Dias e outros personagens
Escobar: o amigo que desperta o ciúme
Escobar é o grande amigo de Bentinho, mas também o foco das maiores suspeitas. Ele é o responsável que acende o ciúme em Bentinho, principalmente por causa da convivência com Capitu e pelas supostas semelhanças físicas entre Escobar e Ezequiel, filho do casal.
Sua presença na história funciona como um combustível que intensifica o drama e a dúvida.
Ezequiel: a origem das suspeitas de Bentinho
Ezequiel é o filho de Bentinho e Capitu. Desde pequeno, o menino se tornou o centro das angústias do pai.
O narrador coloca em foco as características e episódios da infância do filho para sustentar suas suspeitas sobre uma possível traição de Capitu. Ezequiel acaba se tornando a peça chave para o ciúme doentio do protagonista.
Dona Glória
Dona Glória é a mãe superprotetora de Bentinho. Devota e fiel aos costumes do Segundo Império, ela insiste que o filho se torne padre para cumprir uma promessa.
A sua figura na obra representa os valores tradicionais da sociedade da época e é uma das grandes forças que vão ditar o destino do personagem.
José Dias
José Dias é o agregado da família Santiago. Ele representa o tipo oportunista, que tenta se manter útil e indispensável.
É também alguém que se deixa manipular por Capitu e que ajuda nos planos para retirar Bentinho do seminário. Ele revela os jogos de interesse e as relações de poder na trama.
Relação Capitu e Bentinho

A relação entre Capitu e Bentinho em Dom Casmurro é o coração do romance que se alimenta do poder e do ciúme, das convenções sociais e da memória manipulada.
A obra convida o leitor a mergulhar em um jogo de aparências e incertezas criado por Machado de Assis, onde o que importa não é o que aconteceu de fato, mas sim o que é contado e lembrado.
Amor juvenil, promessa ao seminário e interferência materna
O amor entre Capitu e Bentinho começa na juventude e é descrito como intenso, mas cheio de obstáculos e pressões externas. Capitu é uma menina inteligente e madura para a idade, enquanto Bentinho é mais imaturo e dependente da aprovação e do afeto dela.
Desde cedo, o relacionamento é descrito por pequenos segredos e estratégias, principalmente por parte de Capitu, que esconde suas emoções para evitar os olhos atentos da mãe de Bentinho e da sociedade.
Um dos maiores desafios para o romance dos dois é a promessa do seminário, feita por Dona Glória. Essa promessa não representa apenas uma questão religiosa, mas simboliza a submissão de Bentinho à vontade materna e aos valores da época.
A ida ao seminário funciona como um afastamento forçado e é vivido por Bentinho com grande sofrimento.
Durante esse período, ele sonha em abandonar a vida religiosa, algo que só acontece com a ajuda de José Dias e da própria Capitu, que, em segredo, articula tudo para que o amado seja libertado da promessa.
A motivação de Dona Glória aparece de forma mais sutil. Mesmo quando desiste de enviar o filho para o sacerdócio, sua decisão parece motivada mais pelo desejo de manter Bentinho por perto do que pela aceitação do amor entre Bentinho e Capitu.
Essa dinâmica familiar reflete as tensões entre fé e desejo, entre o poder materno e o direito ao amor, e entre os códigos de honra e os impulsos da juventude.
Ciúme e a dúvida sobre a fidelidade de Capitu
O centro do drama de Dom Casmurro está no ciúme de Bentinho, que logo se transforma em obsessão e que passa a mudar a forma como ele vê tudo à sua volta. O ciúme cresce ao longo do tempo e faz com que ele interprete gestos, palavras e acontecimentos sempre com desconfiança.
Episódios como o olhar de Capitu no velório de Escobar, o comportamento do filho Ezequiel e até os momentos simples do dia a dia são vistos por Bentinho sob o olhar do ciúme.
Toda a história é contada pelo ponto de vista de Bentinho, o que só reforça o clima de incerteza. O leitor nunca ouve a voz de Capitu ou de outros personagens sobre os fatos.
Isso faz com que o ciúme de Bentinho não seja só um sentimento, mas também uma estratégia narrativa: ele conduz o leitor a compartilhar da sua dúvida e a nunca ter certeza do que realmente aconteceu.
O ciúme de Bentinho é apresentado como algo patológico e isso poderia ter se manifestado mesmo que ele tivesse se casado com outra mulher. Esse sentimento mostra a necessidade de controle, a fragilidade e a pressão social da época.
No fim, a suposta traição de Capitu nunca é provada. O romance mostra como o ciúme é capaz de manipular a memória e distorcer a realidade, deixando o leitor preso no enigma criado por Bentinho.
Narrador e construção do enredo de Dom Casmurro

O narrador de Dom Casmurro transforma a trama em um grande enigma ao misturar memória, ciúme e autojustificação. Bentinho não só conta a história, ele cria uma versão dos fatos onde a ambiguidade é a única certeza.
Esse estilo torna o livro um clássico e um convite para refletir sobre como as histórias podem ser influenciadas por quem as conta.
O narrador não confiável e o impacto do tom subjetivo
Em Dom Casmurro, a dúvida sobre a suposta traição de Capitu só existe porque Machado de Assis criou um narrador não confiável, Bentinho. Após o casamento, ele passa a controlar o que o leitor sabe, selecionando e filtrando os acontecimentos pela sua própria visão, marcada pelo ciúme e pela insegurança.
Antes disso, o leitor ainda podia acompanhar as ações de Capitu e dos outros personagens com mais liberdade, formando suas próprias opiniões, mas, depois do casamento, quase tudo o que se sabe sobre Capitu vem das palavras do próprio Bentinho.
Esse tom subjetivo é o que cria a grande incerteza da história. O leitor fica preso ao olhar de Bentinho, que mostra os fatos da forma que mais reforça suas suspeitas do que conta a verdade dos fatos.
Não há provas concretas da traição, mas o modo como o enredo é construído e como o narrador nos apresenta os fatos faz com que a dúvida permaneça do início ao fim.
Bentinho guia o leitor por um caminho em que tudo parece se encaixar na ideia de que Capitu o traiu, mas na verdade é só o resultado da sua visão distorcida dos acontecimentos.
Auto Psicanálise e o jogo da ambiguidade
Ao contar sua história, Bentinho parece fazer uma espécie de auto psicanálise. Ele revisita o passado tentando entender seus sentimentos e justificar suas atitudes. A trama é repleta de memórias e reflexões, parecendo, à primeira vista, um relato sincero. Porém, na prática, o que o personagem faz é utilizar de suas lembranças como um meio para confirmar as suas próprias certezas, e não para buscar a verdade.
Bentinho nunca reconhece a possibilidade de estar enganado. O seu relato tem dois grandes objetivos: convencer o leitor da culpa de Capitu e se justificar diante do próprio sofrimento.
Dessa forma o romance se transforma em um jogo de persuasão, em que o leitor é levado a duvidar de tudo, mas nunca tem uma resposta clara sobre o que realmente aconteceu.
No fim, essa “auto psicanálise” não serve para esclarecer os fatos, mas para reforçar as convicções e manter o leitor preso na mesma incerteza do narrador.
O resultado é uma trama onde o maior mistério não está nos fatos em si, mas como eles são apresentados, sempre pela voz de alguém obcecado, ressentido e incapaz de superar o passado.
Estilo literário e estrutura de Dom Casmurro

Dom Casmurro é encantador, revolucionário e desafia por sua estrutura fragmentada, seu foco nas emoções e sua ironia fina.
O romance não oferece respostas prontas, mas convida o leitor a mergulhar na mente de um narrador cheio de incertezas e a descobrir, por si mesmo, o quanto a verdade pode ser manipulada por quem a conta.
Capítulos curtos, digressões e o chamado “microrrealismo”
O estilo de Dom Casmurro é marcado por capítulos curtos e por intensa reflexões.
Essa estrutura fragmentada cria o que podemos chamar de microrrealismo, pois Machado de Assis prefere aprofundar nas emoções, nas memórias subjetivas e nos conflitos internos do narrador, do que em grandes acontecimentos externos.
Cada capítulo parece um pequeno recorte da memória de Bentinho, apresentado sob o filtro do seu olhar ciumento e inseguro.
Psicologismo e a tensão emocional de Bentinho
A trama não foca nos fatos em si, mas no modo como Bentinho interpreta e sente esses fatos. O romance é inteiramente guiado pelo psicologismo, ou seja, pelo mergulho nas emoções e nos estados de alma do personagem.
O leitor acompanha a luta de personagem contra o ciúme, a dúvida e o ressentimento, tudo contado a partir de suas próprias incertezas e paixões.
Em vez de relatar o mundo exterior com objetividade, o livro escolhe revelar um personagem que tenta dar sentido ao que viveu, quase sempre dominado por suas inseguranças.
Ironia refinada e o jogo da ambiguidade
Um dos traços mais marcantes do estilo de Machado em Dom Casmurro é a ironia refinada. Bentinho narra sua história com um tom que parece lógico e convincente, mas que, na verdade, conduz o leitor a um mar de incertezas.
Ele usa argumentos baseados no que pode ter acontecido, mas não no que é comprovado. Assim, a trama desafia o leitor a ler as entrelinhas, a perceber os silêncios e as contradições do narrador.
Essa ironia faz com que Bentinho se apresente como uma vítima, ao mesmo tempo em que, sem perceber, revela suas próprias falhas e preconceitos.
Intertextualidade: Otelo e o ciúme como tragédia
Dom Casmurro conversa diretamente com a peça Otelo, de Shakespeare. Bentinho assiste ao drama do mouro ciumento e passa a se enxergar em Otelo, mas vê Capitu como uma Desdêmona ao avesso: não a esposa inocente que é punida injustamente, mas uma mulher que, em sua mente, seria realmente culpada e merecedora de castigo.
Em um dos momentos mais sombrios do livro, Bentinho chega a fantasiar castigos brutais para Capitu, dominado por um ciúme doentio.
Essa comparação com Otelo mostra como Machado de Assis usa a intertextualidade para aprofundar o drama psicológico da sua obra.
Entretanto, há uma diferença: enquanto Otelo destrói Desdêmona por acreditar nas mentiras de Iago, Bentinho é vítima de suas próprias suspeitas, sem apresentar provas reais.
O resultado é que, em vez de uma tragédia com desfecho, temos uma tragédia sem fim, a dúvida que nunca morre, corroendo o Bentinho por toda a vida.
Visão pessimista e niilista
Embora o texto não cite diretamente filósofos como Schopenhauer, o estilo e a visão de mundo de Bentinho expressa as ideias do niilismo moderno. O narrador questiona o amor, a mulher e até a própria realidade.
Tudo à sua volta parece incerto, e suas memórias são um campo de batalha entre o que ele viveu e o que gostaria de acreditar.
Essa visão negativa das relações humanas e da própria existência instala o tom sombrio e ambíguo que torna Dom Casmurro uma leitura inesquecível.
Adaptações e legado Dom Casmurro

As adaptações e o legado de Dom Casmurro mostram o quanto a obra é importante e influente na cultura brasileira e mundial.
Seja no cinema, na TV, nos palcos e até mesmo nas páginas dos quadrinhos, o romance machadiano permanece um convite ao debate e à reflexão sobre a natureza humana e os limites da verdade e da consciência.
Adaptações audiovisuais e teatrais: da TV ao cinema e HQs
Dom Casmurro inspirou diversas adaptações e cada uma reinterpretando o romance de forma única:
- O filme Dom (2003), dirigido por Moacyr Góes, traz uma versão livre e contemporânea da história. Apesar de manter nomes e alguns elementos do original, a trama se afasta da essência do livro, deixando de lado a estrutura da história. Por isso, não é visto como uma adaptação fiel da obra.
- A minissérie Capitu (2008), dirigida por Luiz Fernando Carvalho, se destacou pelo estilo experimental e visual marcante. Misturou cenários teatrais, animação em stop motion e referências ao cinema e vídeo clipes. A minissérie fez parte de um projeto da Rede Globo para homenagear grandes escritores brasileiros.
- O filme Capitu e o Capítulo (2023), de Júlio Bressane, foca na intimidade e no erotismo do casal. A personagem Capitu é retratada de forma estereotipada, como uma mulher “fogosa”, o que contrasta com a sutileza da personagem no livro.
- Nas histórias em quadrinhos, a adaptação de Felipe Greco e Mario Cau (2013) se destaca por manter a ambiguidade da narrativa e apresentar uma linguagem visual inovadora, sendo premiada com o Jabuti e o HQ Mix.
No teatro, Dom Casmurro ganhou diversas montagens criativas:
- A peça Capitu (1999) recebeu o reconhecimento da Academia Brasileira de Letras por sua proposta original.
- O espetáculo Capitu Memória Editada (2005) trouxe uma peça interativa, em que o público ajudou a reconstruir a história.
- Outras versões, como o musical Dom Casmurro (2021) e montagens da Cia. Mênades & Sátiros, exploraram o lado psicológico da trama e os dilemas de Bentinho, mostrando como a obra permanece atual.
Relevância acadêmica e influência internacional
Dom Casmurro ultrapassou as fronteiras brasileiras e se tornou um objeto de estudo no Brasil e no exterior. O livro é referência em discussões sobre narrador não confiável, ciúme e ambiguidade na literatura.
O trabalho da acadêmica Helen Caldwell foi extremamente importante para projeção internacional da obra. Em The Brazilian Othello of Machado de Assis (1960), a pesquisadora comparou Bentinho a Otelo, de Shakespeare, destacando seu ciúme e a desconfiança que caracteriza a narrativa.
Essa leitura influenciou a crítica literária e transformou o modo como estudiosos interpretam o romance.
Críticos renomados como John Gledson e Roberto Schwarz reforçaram a importância dessa análise para renovar o entendimento da obra. Isso ajudou a colocar Dom Casmurro no centro dos debates acadêmicos sobre perspectiva narrativa, personagem e ironia.
Além disso, o romance de Machado aborda contradições sociais e morais que vão além do contexto brasileiro e conversa com questões universais, o que explica o interesse de estudiosos e artistas de várias partes do mundo.
Nas universidades, Dom Casmurro é estudado em teses e dissertações, motivando pesquisas em diversas áreas do conhecimento como: literatura, cinema, direito, psicologia e cultura.
O livro continua gerando novas leituras e interpretações, mostrando que a influência da obra machadiana permanece viva e em constante transformação.

Mesmo após mais de 100 anos de sua publicação, Dom Casmurro segue como um romance atual e instigante. A obra encanta e nos desafia porque traz reflexões sobre memória, ciúme, verdade e o poder da narrativa.
O grande feito de Machado de Assis está em criar uma história em que o próprio leitor se envolve no mistério, tentando decifrar as intenções e os sentimentos de um narrador dominado pela dúvida e pela obsessão.
Seja no teatro, no cinema, nas HQs ou em outras mídias, a trama de Bentinho e Capitu continua a inspirar novas interpretações e adaptações.
Isso confirma o lugar que Dom Casmurro ocupa como uma obra extremamente importante na literatura brasileira e no debate cultural. Comente e compartilhe este artigo!
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